TRILHAS E VÍDEOS

  • Os ritos da umbanda – a mais cultuada das religiões nascidas no Brasil, resultado da fusão do candomblé com o catolicismo e o kardecismo – são a grande fonte de inspiração da estética cênica de Gira. Exu, o mais humano dos orixás – sem o qual, nas religiões de matriz africana, o culto simplesmente não funciona – é o motivo poético que guia os onze temas musicais criados pelo Metá Metá para Gira. Mergulhar no universo das religiões afro-brasileiras para se alinhar ao tema proposto pelo Metá Metá foram as primeiras providências dos criadores do Grupo Corpo. Mas engana-se quem pensa que vai assistir a uma representação mimética dos cultos afro-brasileiros. Alimentado pela experiência em ritos de celebração tanto do candomblé quanto da umbanda (em especial as giras de Exu), Rodrigo Pederneiras (re)constrói o poderoso glossário de gestos e movimentos a que teve acesso.

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  • Amores ardentes, vorazes volúpias, ciúmes nefastos, corações partidos, saudades brutais, desprezo, rancor, indiferença… Com letras que beiram o kitsch e a construções melódicas estonteantemente belas, o romantismo rasgado das canções de Ernesto Lecuona (1895-1963) havia capturado o coração bailarino do coreógrafo Rodrigo Pederneiras em meados dos anos 80. Duas décadas depois, em 2004, o Grupo Corpo rendia-se à genialidade do maior ícone da música cubana de todos os tempos e decidia abrir uma exceção à regra, estabelecida em 1992, de só trabalhar com trilhas especialmente compostas para colocar em cena o balé que leva seu nome: Lecuona. Uma vertiginosa sequência de 38 minutos de pas-de-deux e uma única formação de grupo, criadas por Rodrigo Pederneiras sobre doze doridas canções de amor e uma valsa do célebre autor de Siboney, emprestam a Lecuona um caráter absolutamente singular e diferenciado das demais criações do grupo.

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  • Escrever na língua nativa a palavra balé (assim, com um ele só e acento agudo) tem sido a busca consciente e obstinada de Rodrigo Pederneiras desde o antológico 21, de 1992. A inspiração sertaneja e a transpiração pra lá de contemporânea da trilha composta por Tom Zé e José Miguel Wisnik para Parabelo, de 1997, permitiram ao coreógrafo do Grupo Corpo dar vida àquela que ele mesmo define como a “a mais brasileira e regional” de suas criações. De cantos de trabalho e devoção, da memória cadenciada do baião e de um exuberante e onipresente emaranhado de pontos e contrapontos rítmicos, emerge uma escritura coreográfica que esbanja jogo de cintura e marcação de pé, numa arrebatadora afirmação da maturidade e da força expressiva da gramática construída ao longo de anos pelo arquiteto de Missa do Orfanato e Sete ou Oito Peças para um Ballet.

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  • Tematizando o imaginário urbano, a coreografia de Rodrigo Pederneiras dialoga inovadoramente com a trilha eletrônica de Arnaldo Antunes. No ritmo acelerado dos movimentos, na violência dos gestos, nas quebras das linhas e no arqueamento dos corpos que buscam se mover rente ao chão, Rodrigo Pederneiras desenvolve novas características para essa dança, que vai da malemolência ao robótico. “O corpo é suficientemente opaco / para que se possa vê-lo.” Esse corpo dança banhado na luz-cenário de Paulo Pederneiras, um quadrado de spots vibrando com a música como um gigantesco analisador de espectro. O Corpo transforma o cenário em luz e os figurinos em cenários móveis: são esculturas pretas que dançam numa caixa vermelha. Os corpos ganham novos volumes pelo desenho das roupas de Freusa Zechmeister e Fernando Velloso. Formam uma gangue, ou tribo; mas suas individualidades são acentuadas pelo movimento e pelo inusitado dos figurinos.

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  • Criado sobre a ideia do recomeço e do sopro de esperança, Primavera, com coreografia de Rodrigo Pederneiras, se urdiu sobre a música da dupla Palavra Cantada: 14 canções adaptadas para o instrumental, numa gama de estilos musicais às vezes bem contrastantes – de um jazz light à percussão afro. O balé, nascido na pandemia, tem o espírito do divertissement; incorpora – e, de certo modo, abraça – as interdições daquele momento: são solos, duos, trios, quartetos em que os bailarinos não se tocam, com exceção de três pas-de-deux na performance dos casais que são parceiros também na vida. Conjurando tempos mais leves e buscando a doçura da estação, os figurinos femininos, monocromáticos – amarelos, verdes, laranjas e vermelhos – têm saias muito leves, que voejam, sobre collants; os dançarinos usam camiseta justa e calça preta clássica. Projeções em tempo real ocupam o fundo do palco, multiplicando e ampliando olhares, gestos e, por que não?, a ideia de novos tempos.

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  • Dança Sinfônica celebra os 40 anos do Grupo Corpo – a coreografia é a expressão desta história, com referências ao universo coreográfico e às pessoas que participaram desta trajetória.

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  • O princípio de interdependência e complementaridade que rege as relações humanas serviu de ponto de partida para a criação de Ímã pelo coreógrafo Rodrigo Pederneiras. Suave e vital, trivial e estranho, o balé do Grupo Corpo é marcado pela alternância constante entre o cheio e o vazio na ocupação do espaço cênico. Solos, duos e formações maiores ou menores de grupo se constituem e se dissipam a todo momento, num jogo incessante de união e dispersão. A trilha composta pelo + 2, trio formado por Domenico, Kassin e Moreno, sobrepõe timbres e texturas de instrumentos de origens e naturezas diversas – como a guitarra e a ocarina, ou o sinth e a cuíca – para trafegar por temas abstratos, essencialmente melódicos ou tipicamente eletrônicos, e revelar influências que vão do bossanovista João Donato, ao ícone da música afro dos anos 70 Fela Kuti, passando pelo multi-instrumentista contemporâneo japonês Cornelius.

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    Criado em 1992, 21 é um divisor de águas na história do Grupo Corpo. Depois de atuar por uma década com temas musicais preexistentes, com este balé, a companhia mineira de dança não apenas volta a trabalhar com trilhas especialmente compostas – como acontecera em seus primórdios nos bem-sucedidos Maria, Maria e Último Trem, ambos com música original de Milton Nascimento e Fernando Brant – como passa a adotar como regra este critério. A decisão proporciona a Rodrigo Pederneiras a oportunidade de dar início à construção do extenso vocabulário coreográfico, de inflexões notadamente brasilianas, que se tornaria marca registrada das criações do grupo. Da teia de combinações rítmicas e timbrísticas em torno do número 21, contida nas partituras geometrizadas criadas por Marco Antônio Guimarães – diretor artístico do Uakti Oficina Instrumental e idealizador dos inusitados instrumentos que lhe conferem uma singularíssima sonoridade –, Rodrigo Pederneiras cria uma escritura coreográfica cujo pulso, ou impulso, é de transpiração matemática. Dividido em três movimentos, o mais vigoroso e instigante dos balés apresentados até aquele início dos anos 90 pelo Grupo Corpo reproduz, através de múltiplas repetições de movimento, a escala decrescente do 21 até o 1; desenha oito pequenos hai-kais coreográficos; e explode no final, numa dança colorida e contagiante que remete aos folguedos populares e às festas do interior.

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  • Um jogo entre o que se ouve e o que se vê, onde o barroco de Bach e o barroco de Minas Gerais, no Brasil, se realizam como dança. A coreografia aspira ao que está acima, e a música, ao que está dentro das partituras de Bach e que Marco Antônio Guimarães, o compositor, nos ajuda a descobrir. Entre azuis, dourados e escuros, uma dança que celebra a arquitetura da vida: fluxo contínuo de onde emergem construções cinéticas surpreendentes.

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  • Sobre uma trilha original do compositor pernambucano Lenine, operada apenas por instrumentos de corda, o Grupo Corpo explora a tensão inerente ao processo criativo onde, muitas vezes, tudo parece “estar por um triz”.

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  • Vestidos de branco do princípio ao fim do balé, movimentando-se sobre o linóleo também branco e tendo ao fundo um painel que pouco a pouco revela saliências e reentrâncias de uma estrutura que sugere uma gigantesca geleira, os bailarinos do Grupo Corpo percorrem o instigante emaranhado de temas composto por Samuel Rosa para a trilha de Suíte Branca.

    Idealizado como as antigas tabulas rasas romanas ou uma página em branco, sobre a qual uma nova história começa a ser inscrita, Suíte Branca marca a primeira colaboração da jovem coreógrafa paulista Cassi Abranches com a companhia mineira de dança. Entre ondulações de braço e quadril, movimentos pendulares, suspensões e muitas intercorrências de chão, a partitura de movimentos erguida por ela propõe um diálogo com a lei da gravidade, onde é possível entrever os traços distintivos do Corpo que há tanto tempo habitam o nosso imaginário e, ao mesmo tempo, divisar a força de uma inequívoca alteridade.

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  • Benguelê é uma exaltação ao passado africano e às suas marcantes e profundas raízes na cultura brasileira. Riscando do palco, sem nenhum pudor, qualquer vestígio da técnica clássica – que, no entanto, presente na formação dos bailarinos, dá suporte à complexa coreografia -, o coreógrafo evoca, do início ao fim, ritmos afro-brasileiros como o maracatu, o candomblé e o congado. Anarquia e frenesi substituem a simetria e a ordem dos bailarinos em cena. Pas-de-deux e fouettés dão lugar a batidas de pé, remelexos de quadril, ombros e pélvis. A diversidade rítmica ganha vida ao som da música inspirada do compositor, cantor e violonista João Bosco. São onze temas – especialmente criados como a música-tema Benguelê, ou recriados como o chorinho 1×0 de Pixinguinha, ou Tarantá e Carreiro Bebe, do folclore. Ora festivos, ora ritualísticos, os movimentos sugerem danças tribais, onde a representação de figuras humanas, vergadas pelo tempo, ou animalizadas, pontuam o espetáculo.

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