Homenagem, em música e movimento, ao mais erudito dos compositores populares brasileiros, Ernesto Nazareth (1863-1934), o balé Nazareth, de 1993, transporta para o palco, com insuspeitado requinte, a sensualidade e a brejeirice da dança brasileira de salão. Com base na obra do genial criador do “tango brasileiro”, o compositor e escritor paulista José Miguel Wisnik recorre ao conceito de espelhamento melódico para operar movimentos retrógrados que, induzidos por computador, desvendam surpreendentes e cristalinas construções musicais, numa recriação absolutamente autoral, original e contemporânea da obra de Nazareth. São comentários, citações, variações, que, bebendo sempre da mesma fonte, terminam por desaguar em outros braços de mar. O erudito e o popular se encontram e se confundem também na transcriação cinética e visual do gênio de Ernesto Nazareth (1863-1934) pela equipe de criadores do Grupo Corpo. Em consonância com a música original, Rodrigo Pederneiras engendra uma coreografia espelhada, repleta de imagens dúbias e cenas que vão e voltam, conferindo a Nazareth um tratamento espacial que se apropria da “caixa-preta” do teatro para deslizar com irresistível leveza e fluidez pelo chão de polcas, chorinhos e maxixes estendido por Wisnik e seu inspirador. Em tons de cinza, preto e branco, os figurinos de Freusa Zeichmeister têm linhas arrojadas que beiram o futurismo, e adereços que remetem à elegância do começo do século passado. O cenário de Fernando Velloso dispõe quatorze rosas tridimensionais de 1,70m de diâmetro, moldadas em tela de metal que, penduradas por fios de aço, flutuam no fundo da cena. Em tons de âmbar e pêssego, a luz de Paulo Pederneiras termina de compor a ambiência deste Nazareth pós-moderno. Que já nasceu clássico.
O mar (de Vigo), que leva e traz de volta o amado, o amigo, é o que dá vida e movimento a Sem Mim. O balé é embalado pela trilha original urdida a quatro mãos pelo viguês Carlos Núñez e pelo brasileiro José Miguel Wisnik a partir do único conjunto de peças do cancioneiro profano medieval galego-português que chegou aos nossos dias com as respectivas partituras de época: o célebre “ciclo do mar de Vigo”, de Martín Codax. Nas sete canções, datadas do século XIII, o poeta se pronuncia sempre em nome da mulher; mais especificamente de jovens apaixonadas que pranteiam a ausência ou festejam a iminência do regresso do amado-amigo. Na avidez do reencontro, elas confidenciam ora com o mar, ora com a mãe, ora com amigas. E, para aplacar ou fustigar o seu desejo, saem a banhar-se nas ondas do mar de Vigo.
A lírica do trovador medieval leva Rodrigo Pederneiras a pautar sua partitura de movimentos na alternância entre calmaria e fúria e no vaivém próprios das ondas do mar, e, também, a (re)produzir, no jogo de cena, o apartamento entre feminino e masculino, onde um(a) reclama sempre a falta do outro, em coreografia marcada pelo fluxo constante de avanços e recuos e pela recorrência de movimentos, sinuosos ou abruptos, de tronco.
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The ocean (in Vigo), that takes and brings back the beloved one, the friend, is also the one that gives life and movement to Sem Mim.
With a choreography by Rodrigo Pederneiras, scenography and lighting by Paulo Pederneiras and costumes by Freusa Zechmeister, the creation of the Brazilian dance group is rocked by the original soundtrack woven by the hands of the Viganese musician and composer Carlos Núñez and by the Brazilian from (“the ocean”) of the city of São Vicente José Miguel Wisnik, from the only set of pieces of music from the Galician-Portuguese medieval profane songbook that got to us with their respective original sheet music: the famous cycle of the ocean in Vigo, by Martín Codax. The seven chants, dated from the XIIIth century, are the oldest testimony and the most appreciated survivals of one of the aspects of the troubadouresque tradition in the region at that time: the so called “friend chants”. There, the poet always speaks in the name of the woman; more specifically, young women that mourn the absence or celebrate the imminent return of the beloved-friend. Avid for the reunion, they confide sometimes with the ocean, sometimes with the mother, sometimes with friends. And to pacify or fustigate the desire, they bathe in the waves of the ocean. (In case of the Codax girls, in the waves of the ocean in Vigo.)
The lyric of the Viganese medieval troubadour inspires Rodrigo Pederneiras to rule his movement music sheet by the alternation between the calm and the fury , and by the seesaw that is typical of ocean waves, and, also, to (re)produce, on the stage, the separation between feminine and masculine, where one always claims the absence of the other.
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coreografia / choreography: Rodrigo Pederneiras
música / music: Carlos Núñes & José Miguel Wisnik (sobre canções de / on songs by Martín Codax)
cenografia e iluminação / set design & lighting: Paulo Pederneiras
figurino / costume design: Freusa Zechmeister
Escrever na língua nativa a palavra balé (assim, com um ele só e acento agudo) tem sido a busca consciente e obstinada de Rodrigo Pederneiras desde o antológico 21, de 1992. A inspiração sertaneja e a transpiração pra lá de contemporânea da trilha composta por Tom Zé e José Miguel Wisnik para Parabelo, de 1997, permitiram ao coreógrafo do Grupo Corpo dar vida àquela que ele mesmo define como a “a mais brasileira e regional” de suas criações.
De cantos de trabalho e devoção, da memória cadenciada do baião e de um exuberante e onipresente emaranhado de pontos e contrapontos rítmicos, emerge uma escritura coreográfica que esbanja jogo de cintura e marcação de pé, numa arrebatadora afirmação da maturidade e da força expressiva da gramática construída ao longo de anos pelo arquiteto de Missa do Orfanato e Sete ou Oito Peças para um Ballet.
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The country side inspiration and the resulting contemporary soundtrack, written by Tom Zé and José Miguel Wisnik, for 1997’s Parabelo, prompted the choreographer from Grupo Corpo to bring into life that, which he himself refers to, as his “most Brazilian and regional” creation.
From working and devotion chants, from the memory of the rhythmic baião and from the exuberant and an ever present, entangled, rhythmic points and counterpoints, emerges choreography full of hip swaying and feet stamping. It’s a ravishing statement of maturity and of the expressive teachings, developed throughout many years, by the maker of Missa do Orfanato and Sete ou Oito Peças para um Ballet
The aesthetic of the votive offerings, from country side churches, inspire Fernando Velloso and Paulo Pederneiras in the creation of the 15 meter X 8 meter panels, which provide support for the ballet’s stage setting.
With the intensity of the colors veiled by black tulle and unveiled only in the small and imperative space of the ballet slippers, costume designer Freusa Zechmeister, creates the set of lights and shadows that “dress” the dancers in the first part of PARABELO. And at the explosive ballet finale, the leotards are freed from the veil, showing off the joyous, high temperatures of their colors.
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coreografia / choreography: Rodrigo Pederneiras
música / music: Tom Zé & Zé Miguel Wisnik
cenografia / set design: Fernando Velloso and Paulo Pederneiras
figurino / costume design: Freusa Zechmeister
iluminação / lighting: Paulo Pederneiras
BACH
Duração: 44 minutos
Um jogo entre o que se ouve e o que se vê, onde o barroco de Bach e o barroco de Minas Gerais, no Brasil, se realizam como dança. A coreografia aspira ao que está acima, e a música, ao que está dentro das partituras de Bach e que Marco Antônio Guimarães, o compositor, nos ajuda a descobrir.
Entre azuis, dourados e escuros, uma dança que celebra a arquitetura da vida: fluxo contínuo de onde emergem construções cinéticas surpreendentes.
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It’s like a game between what one hears and sees. This is where Bach’s baroque and the baroque of the state of Minas Gerais are fulfilled, in the form of dance. The choreography aspires for the above and the music for what is inside Bach’s music score, which composer Marco Antonio Guimarães help us unveil. Among shades of blue, gold and darkness, a dance which celebrates the architecture of life:
The continuous flow from where surprising kinetic constructions emerge.
coreografia / choreography: Rodrigo Pederneiras
música / music: Marco Antônio Guimarães
cenografia / set design: Fernando Velloso and Paulo Pederneiras
figurino / costume design: Freusa Zechmeister
iluminação / lighting: Paulo Pederneiras
A perplexidade e a inexorável pequeneza do Homem diante da vastidão do Universo é o tema central de Onqotô, balé que, em 2005, marcou as comemorações dos 30 anos de atividade do Grupo Corpo. Assinada por Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, a trilha sonora tem como ponto de partida uma bem-humorada discussão sobre a “paternidade” do Universo. De um lado, estaria a teoria do Big-Bang, a grande explosão primordial, cuja expressão consagrada pela comunidade científica mundial parece atribuir à cultura anglo-saxônica dominante a criação do Universo; e, de outro, uma máxima espirituosa formulada pelo genial dramaturgo (e comentarista esportivo) Nelson Rodrigues sobre o clássico maior do futebol carioca, segundo a qual se poderia inferir que o Cosmos teria sido “concebido” sob o signo indelével da brasilidade: “O Fla-Flu começou quarenta minutos antes do nada”.
Instrumentais ou com letra, os nove temas que compõem os 42 minutos de trilha estabelecem uma sucessão de diálogos rítmicos, melódicos e poéticos em torno das “cenas de origem” eleitas por seus criadores e do sentimento de desamparo inerente à condição humana.
Na coreografia criada por Rodrigo Pederneiras, verticalidade e horizontalidade, caos e ordenação, brusquidez e brandura, volume e escassez se contrapõem e se superpõem, em consonância (e, eventualmente, em dissonância) com a trilha musical, desvelando significados, melodias e ritmos que subjazem ao estímulo sonoro.
Urdida com tiras de borracha cor de grafite, a cenografia de Paulo Pederneiras funda um espaço cênico côncavo que sugere tanto um recorte do globo terrestre com seus meridianos quanto um oco, um buraco negro, o nada ou a anterioridade de tudo. Com todos os refletores fixados na estrutura metálica que sustenta a fileira de tiras, a luz projetada por Paulo Pederneiras imprime na cena uma iluminação que remete à dos estádios de futebol.
A figurinista Freusa Zechmeister transforma os bailarinos em uma massa anônima que se funde (e se confunde) com o espaço cênico, permitindo, deste modo, que coreografia e cenário exerçam plenamente sua tridimensionalidade.
coreografia: Rodrigo Pederneiras
música: Caetano Veloso e José Miguel Wisnik
cenografia e iluminação: Paulo Pederneiras
figurino: Freusa Zechmeister
Grupo Corpo celebrates 30 years of uninterrupted activities since 1975 with Onqotô, a choreography about human perplexity and inexorable pettiness before the vastness of the universe. The idea for the soundtrack written by Caetano Veloso and José Miguel Wisnik came up in the middle of a well-humored discussion about competing versions for the creation of the Universe. Wisnik and Veloso imagined the Big-Bang set against an ironic maxim coined by Nelson Rodrigues, the greatest Brazilian dramatist and sports commentator, to express the importance of the most traditional soccer match in Brazil: “the first Fla-Flu started forty minutes before the void.” So they jokingly thought of the great primeval explosion whose English name came to epitomize the Anglo-Saxon primacy in the scientific world that validates Anglo-Saxon cultural world supremacy being superseded by Rodrigues’ maxim, taken as proof of the unmistakably Brazilian character of the Cosmos in its conception. Then they wrote 42 minutes of instrumental tunes and songs for the soundtrack, building a sequence of rhythmic, melodic and poetical dialogues between those two “competing” primal scenes and, moreover, stressing the feeling of helplessness before the universe that is inherent to human condition.
The choreography by Rodrigo Pederneiras contrasts and juxtaposes verticality and horizontality, chaos and order, roughness and tenderness, and volume and sparseness, moving along and sometimes going against the soundtrack, unveiling underlying meanings, melody, and rhythms.
Paulo Pederneiras designed a curtain wall with vertically stretched dark leaden rubber straps, creating a concave space that implies at times a cross section of the globe, or a hollow, or a black hole, or nothingness or the primeval void. The stage lighting designed by Paulo Pederneiras makes reference to soccer stadiums with a series of spotlights attached to the metallic structure that sustains the curtain wall.
Costume designer Freusa Zechmeister turns the dancers into an anonymous mass that blends with the scenery, allowing thus that choreography and scenery come to the fore in their full three-dimensionality.
choreography: Rodrigo Pederneiras
music: Caetano Veloso and José Miguel Wisnik
set design & lighting: Paulo Pederneiras
costume design: Freusa Zechmeister
Benguelê é uma exaltação ao passado africano e às suas marcantes e profundas raízes na cultura brasileira. Riscando do palco, sem nenhum pudor, qualquer vestígio da técnica clássica – que, no entanto, presente na formação dos bailarinos, dá suporte à complexa coreografia -, o coreógrafo evoca, do início ao fim, ritmos afro-brasileiros como o maracatu, o candomblé e o congado. Anarquia e frenesi substituem a simetria e a ordem dos bailarinos em cena. Pas-de-deux e fouettés dão lugar a batidas de pé, remelexos de quadril, ombros e pélvis. A diversidade rítmica ganha vida ao som da música inspirada do compositor, cantor e violonista João Bosco. São onze temas – especialmente criados como a música-tema Benguelê, ou recriados como o chorinho 1×0 de Pixinguinha, ou Tarantá e Carreiro Bebe, do folclore. Ora festivos, ora ritualísticos, os movimentos sugerem danças tribais, onde a representação de figuras humanas, vergadas pelo tempo, ou animalizadas, pontuam o espetáculo.
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Benguelê is a celebration of the African culture and its deep and highly-influential roots in Brazilian culture. Effortlessly erasing any traces of classical dance technique from stage – even though it is the dancers’ rigorous classical training that underscores this complex choreography – Benguelê’s choreography always evokes Afro-Brazilian rhythms such as maracatu, candomblé and congado. Anarchy and frenzy replace symmetry and order on stage. Stomping feet and swaying hips, shoulders and crouches substitute for Pas-de-deux and fouettés. The rhythmic diversity is ignited by the inspired music of composer, singer and guitarist João Bosco. They are eleven themes – some have been especially created for the soundtrack, such as the title theme; some are recreations of classics such as Pixinguinha’s chorinho 1×0; and others are pieces from Afro-Brazilian folklore such as Tarantá and Carreiro Bebe. Benguelê’s movements, at times festive or ritualistic, suggest tribal dances in which the representation of human figures, stooped with age or animalized, punctuate the performance.
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coreografia / choreography: Rodrigo Pederneiras
música / music: João Bosco
cenografia / set design: Fernando Velloso and Paulo Pederneiras
figurino / costume design: Freusa Zechmeister
iluminação / lighting: Paulo Pederneiras
O CORPO
Duração: 43 minutos
Tematizando o imaginário urbano, a coreografia de Rodrigo Pederneiras dialoga inovadoramente com a trilha eletrônica de Arnaldo Antunes.
No ritmo acelerado dos movimentos, na violência dos gestos, nas quebras das linhas e no arqueamento dos corpos que buscam se mover rente ao chão, Rodrigo Pederneiras desenvolve novas características para essa dança, que vai da malemolência ao robótico.
“O corpo é suficientemente opaco / para que se possa vê-lo.” Esse corpo dança banhado na luz-cenário de Paulo Pederneiras, um quadrado de spots vibrando com a música como um gigantesco analisador de espectro.
O Corpo transforma o cenário em luz e os figurinos em cenários móveis: são esculturas pretas que dançam numa caixa vermelha. Os corpos ganham novos volumes pelo desenho das roupas de Freusa Zechmeister e Fernando Velloso. Formam uma gangue, ou tribo; mas suas individualidades são acentuadas pelo movimento e pelo inusitado dos figurinos.
As frases de Arnaldo Antunes ganham corpo na dança; e a dança dá novo viés à trajetória do Grupo. Na soma de gestos, som e luz, O Corpo concentra, com novos acentos, a essência brasileira do Grupo Corpo.
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Using the human imaginary as theme, the choreography of Rodrigo Pederneiras uses an innovative dialogue, through the electronic sound track of Arnaldo Antunes.
In the accelerated rhythm of the movements, through agressive gestures, during the line breaks and by the arching of bodies, which try to move very close to the floor, Rodrigo Pederneiras develops new characteristics to this dance which goes from the “malemolência” (a slowness) to a robot like dance.
“The body is sufficiently opaque / in order to be seen.” The bodies dance while bathed by the stage lighting, created by Paulo Pederneiras. It’s a square of spot lights, which vibrates with the music as if it were a giant spectrum analyzer.
O Corpo transforms the stage setting into lights and the costumes into moving stage settings: they are like black sculptures dancing inside a red box. The bodies get new volume through Freusa Zechmeister’s and Fernando Velloso’s creations.
They form a gang or a tribe but their individualities are marked by movement and by their unusual costumes.
Arnaldo Antunes’ music is materialized through the dance and the dance add a new angle to Grupo Corpo’s history. O Corpo concentrates on the sum of the gestures, sound and light, thus bringing newness to the Brazilian essence of Grupo Corpo.
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coreografia / choreography: Rodrigo Pederneiras
música / music: Arnaldo Antunes
cenografia e iluminação / set design & lighting: Paulo Pederneiras
figurino / costume design: Freusa Zechmeister and Fernando Velloso
Amores ardentes, vorazes volúpias, ciúmes nefastos, corações partidos, saudades brutais, desprezo, rancor, indiferença… Com letras que beiram o kitsch e a construções melódicas estonteantemente belas, o romantismo rasgado das canções de Ernesto Lecuona (1895-1963) havia capturado o coração bailarino do coreógrafo Rodrigo Pederneiras em meados dos anos 80. Duas décadas depois, em 2004, o Grupo Corpo rendia-se à genialidade do maior ícone da música cubana de todos os tempos e decidia abrir uma exceção à regra, estabelecida em 1992, de só trabalhar com trilhas especialmente compostas para colocar em cena o balé que leva seu nome: Lecuona. Uma vertiginosa sequência de 38 minutos de pas-de-deux e uma única formação de grupo, criadas por Rodrigo Pederneiras sobre doze doridas canções de amor e uma valsa do célebre autor de Siboney, emprestam a Lecuona um caráter absolutamente singular e diferenciado das demais criações do grupo. Esbanjando sensualidade, a tradução visual e cênica das canções de Ernesto Lecuona ganha com cada casal de protagonistas a sua própria cor.
Fiery affairs, devouring lust, disastrous jealousy, broken hearts, brutal longing, contempt, rancor, and indifference in lyrics that border on the kitsch and dazzlingly beautiful melodies – these are the exuberantly romantic songs written by Ernesto Lecuona (1895-1963). They captivated choreographer Rodrigo Pederneiras in the mid-eighties, and two decades later in 2004, GRUPO CORPO celebrated the all-time greatest genius of Cuban music, opening for the first time since 1992 an exception to the house rule that the dance company would only dance to soundtracks especially composed for them. The result is a 38-minute ballet simply called Lecuona, an infatuating sequence of pas de deux followed by a single ensemble number created by Rodrigo Pederneiras to twelve aching love songs and one Waltz by the famous composer of Siboney. Lecuona has a singular character among all the other ballets by GRUPO CORPO. Visual and scenery change color every time a new couple takes the stage to dance to one of Ernesto Lecuona’s songs. The scenery and lighting design (by Paulo Pederneiras and Fernando Velloso) outlines the scenic space with cubes made of monochromatic light that move within the black box as the partners dance. Domineering, the male dancers get on stage donning patent leather shoes, shirts, and slacks in different shades of black. On gauzy dresses with plenty of slits and cleavage, the fiery female dancers of Lecuona put on high heels (from 2 inches high to 5-inch heels) and dress from head to toes in one invariably warm color that relates to the light shade chosen for their couples. After the pas de deux, six couples take the stage to dance a waltz in a gigantic cube made of mirrors (now the women wear long lilting white dresses). Each dancer is multiplied in the play of mirror reflections and the final number becomes a big bright ball from a bygone era.
choreography: Rodrigo Pederneiras
music: Ernesto Lecuona
set design & lighting: Paulo Pederneiras
costume design: Freusa Zechmeister
GIL – Trilha sonora original do espetáculo do Grupo Corpo
música: Gilberto Gil
A música luminosa, plural, universal e tão brasileira de Gilberto Gil se traduz na coreografia que leva o nome do compositor, GIL. A convite do diretor artístico Paulo Pederneiras, Gil criou uma trilha que vai dos elementos afro-baianos à abordagem camerística, com a intervenção de trechos retrabalhados das canções conhecidas, como Tempo Rei, Andar com Fé e Aquele Abraço.
Trilha sonora original do espetáculo “O Corpo” do Grupo Corpo.
música: Arnaldo Antunes
Tematizando o imaginário urbano, a coreografia de Rodrigo Pederneiras dialoga inovadoramente com a trilha eletrônica de Arnaldo Antunes. No ritmo acelerado dos movimentos, na violência dos gestos, nas quebras das linhas e no arqueamento dos corpos que buscam se mover rente ao chão, Rodrigo Pederneiras desenvolve novas características para essa dança, que vai da malemolência ao robótico.
“O corpo é suficientemente opaco / para que se possa vê-lo.” Esse corpo dança banhado na luz-cenário de Paulo Pederneiras, um quadrado de spots vibrando com a música como um gigantesco analisador de espectro.
As frases de Arnaldo Antunes ganham corpo na dança; e a dança dá novo viés à trajetória do Grupo. Na soma de gestos, som e luz, O Corpo concentra, com novos acentos, a essência brasileira do Grupo Corpo.
“Há dois tipos de canto recorrentes no tempo redondo do mito”, define o compositor Tom Zé. “O canto do trabalho e o canto de devoção”.
De cantilenas de trabalho e incelências, mas também de citações a duelos de cegos cantadores, da memória cadenciada dos baiões, de comentários sobre tons jobinianos (Bendengó) ou luizgonzaguianos (Assum Branco), de bossa(s) nova(s) (que vêm e que passam antes pela Juazeiro de João Gilberto que pelas areias de Ipanema), e de um exuberante e onipresente emaranhado de pontos e contrapontos rítmicos é feita a música original de Parabelo, que inaugura a dupla (no caso, sertaneja) Tom Zé e Zé Miguel Wisnik, editada em CD pelo GRupo Corpo.
Em sua primeira obra sinfônica especialmente criada para o Grupo Corpo, Marco Antônio Guimarães, autor de trilhas antológicas como 21 (1992) e Bach (1996), funde em sofisticada trama peças inéditas e passagens musicais evocativas de balés que marcaram a história recente do Corpo. O conjunto de temas foi escrito com maestria para a formação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, de 90 figuras, e interligado por engenhosas pontes musicais executadas pelo grupo Uakti.
O espetáculo Benguelê, do GRUPO CORPO, ganha vida ao som da música inspirada do compositor, cantor e violonista João Bosco. Banzo de Benguela, benguelê. Saudade das terras livres e férteis do longínquo reino africano. Esta é uma das possíveis origens etimológicas da palavra benguelê, entendida aqui como a fusão de Benguela, denominação de uma região situada ao sudoeste de Angola, com o fonema lê − em quimbundo, nostalgia, banzo, saudade. São onze temas – especialmente criados como a música – tema Benguelê, ou recriados como o chorinho 1×0 de Pixinguinha, ou Tarantá e Carreiro Bebe, do folclore.
Na trilha composta para o Grupo Corpo, com base na obra do mais erudito dos compositores populares brasileiros, Zé Miguel Wisnik recorre ao conceito de espelhamento melódico para operar movimentos retrógrados que, induzidos por computador, desvendam surpreendentes e cristalinas construções musicais, numa recriação absolutamente autoral, original e contemporânea da obra de Ernesto Nazareth.